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Streaming Remodela Identidade Cultural Nacional

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As plataformas de streaming transformaram radicalmente como os brasileiros consomem e compreendem sua própria cultura. Com 78% dos lares brasileiros assinando pelo menos um serviço de streaming, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, essas plataformas se tornaram os principais mediadores entre produção cultural nacional e audiência, redefinindo nossa percepção de identidade brasileira no século XXI.

A Nova Cartografia Cultural Brasileira

Netflix, Amazon Prime Video, Globoplay, Paramount+ e outras plataformas não apenas distribuem conteúdo – elas ativamente moldam narrativas sobre o que significa ser brasileiro. A série “3%”, primeira produção brasileira original da Netflix, alcançou audiência global e apresentou uma visão distópica do Brasil que dialogava tanto com nossa realidade social quanto com ficções científicas internacionais.

Dr. Esther Hamburguer, professora de Comunicação da USP e especialista em audiovisual brasileiro, observa: “As plataformas de streaming criaram um laboratório cultural onde identidades brasileiras podem ser experimentadas, questionadas e reinventadas para audiências globais e locais simultaneamente.”

Este fenômeno é quantificável. Dados da Ancine revelam que o consumo de conteúdo nacional em plataformas de streaming cresceu 340% entre 2019 e 2024, com destaque para produções que exploram diversidade regional, étnica e socioeconômica antes sub-representada na televisão tradicional.

Diversificação das Narrativas Brasileiras

Uma das transformações mais significativas é a multiplicação das representações do Brasil. Se a televisão aberta tradicionalmente concentrava narrativas no eixo Rio-São Paulo, o streaming permitiu a emergência de produções regionais com alcance nacional.

A série “Cidade Invisível”, da Netflix, ambienta narrativas do folclore brasileiro contemporâneo no Rio de Janeiro, enquanto “Dom” explora a criminalidade carioca através de lentes mais complexas que as tradicionais. No Amazon Prime Video, “Sem Volta” retrata o cotidiano amazônico longe dos estereótipos usuais sobre a região.

Mônica Kornis, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas e especialista em cultura brasileira contemporânea, destaca: “O streaming democratizou não apenas o acesso, mas também a produção de narrativas sobre diferentes Brasis, permitindo que vozes regionais encontrem audiências nacionais.”

Algoritmos Como Curadores Culturais

Os algoritmos de recomendação dessas plataformas exercem papel fundamental na formação do gosto cultural brasileiro. Diferentemente da programação linear da televisão, onde todos assistiam aos mesmos programas simultaneamente, o streaming cria “câmaras de eco culturais” personalizadas.

Pesquisa conduzida pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2024 analisou padrões de consumo cultural em plataformas de streaming, revelando que 67% dos usuários descobrem conteúdo nacional através de recomendações algorítmicas, não por busca ativa.

“Os algoritmos atuam como novos gatekeepers culturais, determinando quais produções brasileiras ganham visibilidade e, consequentemente, moldam nossa autopercepção cultural”, explica Dr. João Freire Filho, professor de Comunicação da UFRJ e autor do livro “Algoritmos da Cultura”.

Impacto na Produção Audiovisual Nacional

O mercado de streaming revolucionou a economia criativa brasileira. Segundo a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), investimentos de plataformas internacionais em produções nacionais somaram R$ 2,8 bilhões entre 2020 e 2024.

Essa injeção de recursos transformou não apenas a quantidade, mas principalmente a qualidade técnica e narrativa das produções brasileiras. Séries como “Coisa Mais Linda” e “Irmandade” competem em igualdade técnica com produções internacionais, elevando padrões de produção nacional.

Carlos Henrique Schroder, presidente da Associação Brasileira de Documentários e Curta-metragens (ABD), observa: “O streaming criou um mercado sustentável para audiovisual brasileiro que não dependia exclusivamente de editais governamentais ou da televisão aberta.”

Globalização versus Nacionalização Cultural

Paradoxalmente, a globalização do streaming fortaleceu elementos específicos da cultura brasileira. Para competir globalmente, produções nacionais precisaram acentuar suas características distintivas, resultando em produtos culturais “hiperbrasileiros” que exageram elementos como diversidade musical, religiosidade sincrética e pluralidade étnica.

A série “Sintonia”, da Netflix, exemplifica essa tendência ao retratar a cultura hip-hop paulistana com autenticidade que ressoa tanto local quanto globalmente. Sua trilha sonora, composta majoritariamente por artistas independentes brasileiros, impulsionou carreiras musicais e introduziu o rap nacional a audiências internacionais.

Transformação dos Hábitos de Consumo Cultural

O streaming alterou fundamentalmente quando, onde e como os brasileiros consomem cultura. A possibilidade de assistir conteúdo sob demanda, pausar, retomar e revistir criou novos rituais culturais familiares e individuais.

Pesquisa da Kantar IBOPE Media revelou que 43% dos brasileiros assistem conteúdo cultural em plataformas de streaming durante deslocamentos urbanos, transformando transportes públicos em salas de cinema personalizadas. Outros 38% utilizam o streaming como “segunda tela” enquanto realizam outras atividades.

Desafios para a Diversidade Cultural

Contudo, a concentração do mercado em poucas plataformas internacionais gera preocupações sobre homogeneização cultural. Produtores brasileiros relatam pressão para adequar narrativas nacionais a fórmulas internacionalmente testadas, potencialmente diluindo especificidades culturais locais.

O documentarista João Moreira Salles alerta: “Existe o risco de criarmos uma cultura brasileira ‘para exportação’ que dialoga mais com expectativas internacionais sobre o Brasil do que com nossa complexidade cultural real.”

Políticas Públicas e Regulamentação

O governo brasileiro respondeu a essas transformações com políticas específicas. A Ancine estabeleceu cotas de conteúdo nacional para plataformas de streaming, exigindo que 20% do catálogo seja composto por produções brasileiras até 2025.

A Lei do Streaming (Lei 14.814/2024) criou incentivos fiscais para plataformas que investem em produções regionais, buscando descentralizar a produção audiovisual para além do eixo Rio-São Paulo.

Educação e Formação Cultural

Escolas brasileiras começaram a incorporar análise de séries e filmes de streaming em currículos de literatura e história, reconhecendo essas produções como documentos culturais contemporâneos relevantes para compreensão da sociedade brasileira atual.

A Universidade Estácio criou em 2023 o primeiro mestrado profissional em “Narrativas Digitais e Streaming” do Brasil, formando profissionais especializados neste novo ecossistema cultural.

O Futuro da Identidade Cultural Brasileira

À medida que tecnologias emergentes como realidade virtual e inteligência artificial se integram às plataformas de streaming, novas possibilidades de narrativa cultural se abrem. Experiências imersivas prometen permitir que usuários “vivenciem” diferentes aspectos da cultura brasileira, desde rituais religiosos até paisagens naturais.

O streaming já provou ser mais que uma tecnologia de distribuição – é uma força cultural transformadora que continua redefinindo como os brasileiros se veem e são vistos pelo mundo. O desafio futuro será manter a diversidade e autenticidade cultural brasileira enquanto navegamos pelas demandas e oportunidades de um mercado cultural globalizado.

A identidade cultural brasileira do século XXI está sendo escrita não apenas nas telas de cinema ou programas de televisão, mas nos algoritmos, dados de audiência e decisões editoriais das plataformas de streaming que mediam nossa relação com nós mesmos.


Sobre a autora: Dra. Beatriz Jaguaribe é doutora em Literatura Comparada pela Duke University, professora da UFRJ, pesquisadora do CNPq e autora de “Brasil: Imagens em Movimento – Cinema e Streaming na Era Digital”.

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